terça-feira, 17 de abril de 2012

Acesso Livre (OA): pode uma revista mantida com recursos publicos adotar o modelo de negócio “autor-paga”?

Helio Kuramoto

Há alguns posts atrás fiz um elogio a duas revistas brasileiras que
adotaram o modelo de negócio “autor-paga” e me parece que tal elogio
tem sido utilizado para justificar o injustificável. É preciso
esclarecer que o elogio foi apenas à decisão da revista em adotar o
modelo de negócio “autor-paga”, a qual me levou ao entendimento de que
se tratava de uma decisão em busca da auto-sustentabilidade. Este
elogio foi um ato precipitado de minha parte, considerando que eu não
tinha conhecimento que uma das revistas era mantida com recursos
públicos e utilizava infraestrutura de instituição pública.
Assim, é preciso esclarecer melhor as coisas para evitar
mal-entendidos e não prejudicar o entendimento sobre Acesso Livre
(Open Access), e neste caso o meu elogio se deveu à coragem dos
editores em adotar um modelo de negócio que vem sendo adotado por
grandes editores comerciais. Consequentemente, entendi que o intuito
das revistas era ter auto-sustentabilidade, obviamente isto significa
total independência de recursos públicos.

Soube, por colegas, que os meus posts teriam sido utilizados para
reafirmar o acerto da decisão por parte da (s) revista(s) junto à sua
comunidade de autores. Longe de querer ser redundante, devo reiterar
que o movimento Open Access, visando tornar livremente acessível o
acervo de cerca de 1,5 milhões de artigos científicos que são
publicados anualmente em aproximadamente 28 mil revistas centíficas,
estabeleceu as seguintes estratégias: 1) que os pesquisadores
publicassem preferencialmente em revistas científicas de acesso livre
(Open Access) – via Dourada (Gold road); 2) que as universidades e
demais instituições de pesquisa construam repositórios institucionais
(RI), assim como as agências de fomento construam o seus repositórios
centrais (RC) e que sejam estabelecidas políticas de acesso livre
tornando obrigatório a todos os seus pesquisadores o depósito de sua
produção científica publicada em revistas científicas – via Verde
(Green Road);

Após 11 anos da adoção dessas estratégias verificou-se que a
estratégia via Verde é a que oferece melhor relação benefício/custo.
E, que por outro lado, a estratégia via Dourada é ainda muito cara e
lenta, além de ser totalmente dependente da tomada de decisão dos seus
editores, usualmente, vinculados a empresas. Como toda empresa, estas
têm como objetivo principal a obtenção de lucros. Alguns desses
editores até já lançaram revistas de acesso livre utilizando o modelo
“autor-paga”. No entanto, a taxa de publicação estabelecida por esses
editores é ainda muito cara. Então, não vale à pena publicar nessas
revistas. Assim, é preferível que os pesquisadores continuem
publicando em revistas comerciais e ao mesmo tempo façam o
auto-depósito dos artigos nos RI e RC. Essa é também a minha opinião.

No contexto mundial, observamos uma particularidade, a grande maioria
dos editores tem como suporte empresas comerciais, com infraestrutura
própria e não dependem diretamente de recursos públicos, ou seja não
são financiadas com recursos públicos.

Agora vejamos o caso das revistas científicas brasileiras. A maioria
delas são mantidas com recursos públicos provenientes de agências de
fomento, de universidades públicas ou de instituições de pesquisa
públicas. A maioria delas utilizam a infraestrutura de instituições
públicas, assim como do quadro de pessoal dessas instituições que são
também funcionários públicos. Portanto, essas revistas são totalmente
dependentes de recursos públicos.

Sempre defendi que as revistas científicas brasileiras buscassem uma
forma de se auto-sustentarem, tornando-se independentes de
financiamentos de agências de fomento e consolidassem a indústrial
editorial científica no País. Daí o meu elogio, pois, ingênuamente,
pensei que as revistas elogiadas não dependessem de qualquer recurso
público.

A questão é: seria ético ou moral e políticamente correto que essas
revistas adotem o modelo de negócio “autor-paga”, sabendo previamente
que estas são financiadas e mantidas com recursos públicos?

Evidentemente que, a adoção do referido modelo é livre e depende
apenas do interesse dos editores. Mas, se a revista já era de livre
acesso e continuará dependendo de recursos públicos, então não se
justifica a adoção deste modelo. A simples adoção do referido modelo
não é uma iniciativa aderente ao Acesso Livre, pois, acaba tornando-se
uma restrição à disseminação da informação. É preciso conhecer o
contexto sob o qual o referido modelo foi criado. Ele foi criado por
editores comerciais. Portanto, a adoção do modelo “autor-paga” deve
ser precedida de uma análise mais profunda sobre todo o contexto da
revista, de sua vinculação institucional, e de seus interesses e
propósitos. Alem disso, obviamente, a tomada de decisão deve ser em
proveito da sua comunidade usuária e autoral.

Antes de concluir este post faço as seguintes considerações:

1. Até onde eu sei, as revistas científicas que adotaram o modelo
“autor-paga” são revistas científicas comerciais, à exceção das
revistas do PLoS (Public Library of Science”) que já adotam o referido
modelo às suas revistas desde o seu nascedouro, e no que me consta, é
uma organização independente criada por editores científicos e não
dependem de recursos públicos;

2. O Acesso livre veio para facilitar o acesso às pesquisas e não para
impedir o seu acesso ou a sua disseminação

3. O conhecimento gerado por pesquisas é um bem público e como tal
deveria ser de livre acesso.

4. Assim, não posso entender como uma revista que já é mantida com
recursos públicos e fornece Acesso Livre e, como tal, deveria servir
aos interesses da comunidade científica possa adotar o modelo de
negócio “autor-paga”, isto é como dar um tiro no próprio pé.

Deixo esta questão no ar para que os leitores deste blog possam emitir
a sua opinião e debater por intermédio dos comentários via este blog.

fonte: http://kuramoto.blog.br/2012/02/09/acesso-livre-pode-uma-revista-mantida-com-recursos-publicos-adotar-o-modelo-autor-paga/
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